quarta-feira, 4 de março de 2009

Prosperamos unidos, separados caímos, por Fernando Canzian

A crise já força homens e governos a revelar do que são feitos. Em tempos de prosperidade, boa vontade e fraternidade. Na escassez, sobrevivência em primeiro lugar.

Em várias economias representativas da globalização, uma série de ações protecionistas e protestos contra imigrantes emergiram na semana passada. É mais um sintoma da maior crise de nossa geração. Um fato que tende acentuar problemas futuros em vez de amenizá-los.

Para 2009, o FMI estima uma retração de quase 3% no volume de comércio internacional por conta da crise. Se ficar só nisso, vai sair barato, dada a nova onda protecionista.

O slogan "Buy America" (compre produtos americanos) está novamente em voga nos EUA, e o próprio governo de Barack Obama introduziu no novo pacote de estímulo econômico de US$ 819 bilhões a exigência de que o aço usado nas futuras obras públicas no país seja comprado de siderúrgicas norte-americanas.

O consumo nos EUA caiu a um nível recorde nos últimos seis meses. Se o "Buy America" pegar em meio a essa retração, a China e demais países asiáticos, com o grosso de suas exportações voltadas para os EUA, vão sofrer barbaramente.

Já há notícias de milhares de ex-operários chineses fazendo o caminho de volta da cidade para o campo por conta de demissões em massa em empresas exportadoras. Não vai demorar para o governo chinês, detentor de bilhões de dólares em títulos do Tesouro norte-americano, dar o seu passo.

Na Europa e sua periferia, já aparecem os primeiros sinais evidentes de rachadura na União Europeia e, mais grave, de sérios problemas para alguns países no pacto em torno da moeda única, o euro.

No Reino Unido, centenas de trabalhadores foram às ruas protestar contra a decisão da refinaria francesa Total de contratar empregados italianos e portugueses para um projeto de US$ 280 milhões. "British jobs for british workers", (na Inglaterra, trabalho para trabalhadores britânicos) diziam os cartazes dos que protestavam.

Na Espanha, onde o desemprego bateu em 14%, o maior da União Europeia, o governo está oferecendo US$ 14.000 (R$ 32.200) aos imigrantes que aceitarem voltar a seus países. No principal aeroporto de Madri, Barajas, voltaram os repatriamentos de centenas de latinos (inclusive brasileiros) assim que pisam no país.

Na França, mais de 1 milhão de trabalhadores foram as ruas pedir mais ajuda do Estado a empresas francesas. Na Grécia, fazendeiros fizeram um mega bloqueio de estradas durante dez dias exigindo a aprovação de um pacote de ajuda que desrespeita regras da União Europeia.
É só o começo.

Nos subterrâneos dessa crise, uma bomba de imensas proporções vai sendo armada no coração da União Europeia. Países menos avançados há dez anos como Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e vários outros no conjunto de 16 nações que têm hoje o euro como moeda só cresceram rapidamente nos últimos anos por conta de um forte endividamento. E a conta dessas dívidas chegou.

Agora, enquanto países como Alemanha, França e os escandinavos erguem pacotes bilionários de estímulo a suas economias e protegem seu sistema financeiro com dinheiro estatal, os "ex-pobres" têm não só de honrar dívidas como seus Estados e empresas são obrigados a captar dinheiro no mercado a custos punitivos na comparação com os demais.

Antes do euro, esses países em dificuldades tinham a opção de desvalorizar suas moedas e, ao tornar seus produtos mais baratos, dar forte impulso ao setor exportador. Com o euro, essa opção não existe mais, assim como não há a possibilidade de aumentarem indefinidamente déficits e endividamentos, dadas as regras de convergência da União Europeia.

Daqui em diante, todas essas assimetrias só tendem a piorar.

Na crise, prevalece o de sempre: salve-se quem puder, pelos quatro cantos do mundo.

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