sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Lévi-Strauss centenário!



Sua experiência com os índios brasileiros do Centro Oeste e Norte – Cadiuéus, Bororos e Nambiquaras – possibilitou a formulação de um novo pensamento e entendimento acerca do conceito de “primitivo”. Um dos mais representativos intelectuais franceses do século XX não mais inferiorizou os indígenas, os quais até então eram apoucados aos olhos colonizadores europeus; pelo contrário, assentou-os nas mesmas bases do pensamento moderno ocidental, quando defende comportamentos invariáveis imersos em estruturas variáveis: Estruturalismo. Porquanto, é considerado, universalmente, como o fundador da Antropologia moderna, pois dizia que “O antropólogo é o astrônomo das ciências sociais: ele está encarregado de descobrir um sentido para as configurações muito diferentes, por sua ordem de grandeza e seu afastamento, das que estão imediatamente próximas do observador”.

Tal impressão intelectual se deu a partir da graduação em Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, na França. Posteriormente, foi convidado pela recém-fundada USP (Universidade de São Paulo) para lecionar sociologia e assim, contribuiu em demasia para o desenvolvimento da FFLCH, um dos maiores centros pensantes do Brasil sobre Ciências Humanas.

Inclusive, o título deste blog é em homenagem a Lévi-Strauss. “Tristes Trópicos”, de 1955, é uma espécie de autobiografia do etnólogo, em que fala de certa desilusão com alguns paradigmas do pensamento civilizado europeu, principalmente em alusão ao comportamento indígena brasileiro, quando com eles esteve recluso, apesar de não ser praticante da “observação participante” e por isso, ser constantemente criticado por outros antropólogos de renome semelhante, como Malinovski e Geertz, ao julgarem-no incapaz de “entender” determinada sociedade por lá não se fazer presente. Caetano Veloso também faz menção ao antropólogo em “O estrangeiro”, quando canta “O antropólogo Claude Levy-Strauss detestou a Baía de Guanabara: Pareceu-lhe uma boca banguela”.

Em “Tristes Trópicos”, chamou-me a atenção a história de um índio Bororo. O indivíduo não denominado, que serviu de intérprete a Claude Lévi-Strauss, falava português razoavelmente bem, pois dizia ter aprendido ler e escrever, apesar de não conseguir fazê-lo naquele momento, em uma missão jesuítica. Não obstante, inacreditavelmente, os padres, orgulhosos pela eficácia na passagem da doutrina cristã, enviaram o velho índio a Roma, onde foi recebido pelo pontífice. Assim, no regresso ao Brasil e conseqüentemente à cultura Bororo, quiseram (os padres) casá-lo à maneira eclesiástica, desconsiderando todas as suas experiências e tradicionais comportamentos. Tal situação desencadeou-lhe uma expressiva crise espiritual, concomitando no resgate ortodoxo do comportamento Bororo: havia 15 (quinze) anos que encontrara totalmente recluso, pintado a vermelho, com nariz e lábio superior perfurados pelo tembetá (enfeite em forma alongada, utilizado verticalmente) e botoque (adorno facial em forma de disco ou botão que se prende a um furo no lábio e na orelha) e emplumado. Desse modo, tornou-se ainda, segundo pode acompanhar Lévi-Strauss, “um maravilhoso professor de sociologia Bororo”.

Atualmente, Lévi-Strauss vive em Paris, no mesmo apartamento há 50 (cinqüenta) anos. Em entrevista a France Presse, ao afirmar que possui uma dívida moral com Brasil, justamente por ter desenvolvido sua principal tese em terras tupiniquins, afirmou: "… vamos para uma civilização em escala mundial. Na qual provavelmente aparecerão diferenças, ao menos é preciso esperar por isso (…). Estamos num mundo ao qual já não pertenço. O que eu conheci, o que eu amei, tinha 1,5 bilhão de habitantes. O mundo atual tem 6 bilhões de humanos. Já não é o meu mundo".

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Um minuto de silêncio...

Apesar da relativa constância da informação relacionada a enchentes no Brasil, em virtude, principalmente, da ausência de infra-estrutura que o país dispõe, embora em alguns casos nem um emaranhado tecnológico fosse capaz de suportar tamanho caos, não podemos, de forma alguma, ficarmos indiferentes ao ocorrido em Santa Catarina. O que houve foi um daqueles desastres naturais - ocasionados talvez pela falta de interesses políticos - que ferem e ultrapassam qualquer nível de disposição estrutural desenvolvido pelo homem, detentor do “telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor”, o que, como já dizia o grande Jorge Furtado, difere o homem dos demais mamíferos bípedes.



Até o presente momento, a defesa civil catarinense registra 97 mortos e 78.000 desalojados. Dez cidades já decretaram situação de calamidade pública e pedem que os sobreviventes registrem os desaparecidos nos postos cadastrados, pois as equipes de resgate do Exército e dos Bombeiros, neste momento, procuram por “apenas” 19 pessoas. Infelizmente, mas provavelmente, existam outras dezenas desaparecidas. Para agravar a situação, faltam, nas cidades mais atingidas, como Itajaí, Blumenau, Gaspar, entre outras, mantimentos básicos para a manutenção e/ou reestruturação da saúde da população, já bastante afetada pelo ocorrido. Para tanto, o Estado catarinense aconselha a população à utilização das águas de piscinas, as quais deverão, invariavelmente, serem fervidas. Faltam, além da água potável, luz, telefones e até curativos.





A partir deste cenário, surgem pessoas e empresas com o propósito substancial da ajuda filantrópica. Aqui na capital catarinense, onde a chuva também promoveu estragos, mais restritos ao norte da ilha, proliferam pontos para arrecadação de mantimentos com destino às regiões afetadas: universidades, postos de saúde, supermercados, igrejas, redes atacadistas etc. Por falar em redes atacadistas, nos últimos dois dias, pessoas foram presas por “saquear” um comércio varejista. Ora, a meu ver isso representa uma extrema hipocrisia, pois quem, passando por dificuldade semelhante, não invadiria uma grande rede, a qual apesar de seu grande prejuízo, já acumulou bastante dinheiro durante o período precedente às chuvas e, teoricamente, sairá do caos menos afetada que o grosso populacional pobre? Até entendo quererem prender as pessoas com o propósito da manutenção da “ordem pública”, mesmo quando o caos está posto. Mas o termo “saquear” é pejorativo! É a imprensa tendenciosa, ou pelo menos desqualificada, pois segundo alguns dicionários consultados, a nomenclatura faz referência a um despojo violento, desconsiderando uma situação calamitosa. Entretanto, entre estes que foram presos por roubo de comida e mantimentos, outros foram levados à delegacia pelo assalto de utensílios domésticos e materiais eletrônicos. Já foram também registrados casos de desvio de leite, os quais estavam prometidos aos flagelados, além da emerção de campanhas publicitárias, provavelmente veiculadas apenas na grade catarinense, as quais procuram fortalecer suas marcas, a partir da estruturação de um discurso sobre o povo catarinense, seu orgulho e coragem, os quais serão responsáveis pela reestruturação do Estado: “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago!

Por outro lado, fico me perguntando se seria possível evitar uma tragédia deste porte. Certamente que não! Porém, a negativa se refere a ausência de interesses político-econômicos, já que Itajaí, Gaspar, Nova Trento e Luís Alves não são Veneza ou Tóquio. Falo da romântica cidade italiana pela razão de uma mega obra responsável pelo impedimento desta ser tomada pelas águas que a cada dia aumentam o nível do mar; ou capital japonesa, a qual foi e é planejada para agüentar os constantes e terríveis tremores de terra. Alguns podem argumentar que o nível de água que caiu sobre as terras catarinenses foi absurdo, muito acima do normal. É verdade, pois choveu em três dias o correspondente a quatro meses. Todavia, uma pergunta não quer calar. Até quando viverão os mais pobres, à mercê das manifestações naturais que assolam a humanidade, como a seca, a chuva e os ventos. Se não são os catarinenses, são os asiáticos, os nordestinos ou os negros da cidade do blues. Será que tais fenômenos não teriam solução em uma organização desprovida de interesses distintos? A todos estes que desta forma morreram, ao menos um minuto de silêncio…

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ao campeão brasileiro 08 - Série A

Inevitavelmente, o São Paulo será campeão brasileiro de 2008. Quer dizer, tricampeão. Imagino ser a recompensa por procurar ser o clube mais estável, profissional e melhor estruturado do futebol brasileiro, apesar de achar, ao mesmo tempo, que o título deste ano caiu em seu colo, em virtude da incompetência de algumas equipes, as quais chegaram a estar 11 (onze) pontos a frente do tricolor paulista. É óbvio que a alteração classificatória do campeonato revela o avanço são-paulino, que possui invencibilidade impressionante e, por conseguinte, é detentor da melhor campanha do returno, mas jamais houve, desde a implantação do sistema de pontos corridos, tamanha queda de rendimento de uma equipe estando líder, ou não. Por isso, o desempenho médio da equipe está longe de ser satisfatório, ou pelo menos próximo dos anos anteriores, quando também se sagrou campeão. Contudo, de qualquer forma, será campeão em casa, ao lado de sua torcida, no próximo domingo, contra o também tricolor, só que o carioca.

Não obstante, menos destaque possui a torcida são-paulina, a qual, até antes da possibilidade de conquista, ou seja, antes do jogo contra o Internacional de Porto Alegre (02/11), representava pífia média de público, 11.563 pessoas, segundo sítio da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Posteriormente, após vitória contra o Botafogo carioca, a torcida passou a comparecer, restando apenas seis rodadas para o fim do torneio, fazendo com que sua média subisse para aproximadamente 20.000 pessoas, em conseqüência do tamanho bastante considerável de seu estádio.

Portanto, enganado será aquele que, ao final da competição, quiser saber o desempenho e paixão dos torcedores por suas respectivas agremiações, pois dessa forma, o São Paulo se encontrará em terceiro lugar, atrás de Flamengo (40.000) e Grêmio (31.000). Assim, tal constatação só confirma a celebre opinião pública sobre a torcida tricolor, como dizia um amigo paulistano são-paulino: “torcida que só vai na boa!”.

No entanto, o terceiro título consecutivo premiará, certamente, o melhor técnico de futebol do país. Murici Ramalho é capaz de variar o estilo de jogo do time conforme o adversário e até durante as partidas. É sério, competente, compenetrado e profissional. Agora agüenta!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Eleições venezuelanas...



As eleições regionais (Estados e Perefeituras) ocorridas neste domingo (23/11), na Venezuela, mantiveram o governo chavista através do recém proclamado Partido Socialista Unido da Venezuela com ampla maioria na composição do governo, quando venceram em 17 dos 22 Estados e puderam conservar o projeto e hegemonia no processo revolucionário bolivariano. No entanto, a oposição manteve presença representativa, pois venceu nos principais e mais ricos Estados do país, Zulia e Miranda, além de conseguir o pleito na prefeitura de Caracas – certamente a maior derrota da situação. Segundo especialistas, apesar do avanço “vermelho” no país, em virtude do acréscimo de 1,5 milhões de votos a mais em relação à última eleição, a oposição conquistou pontos fundamentais quanto às eleições futuras, pois governarão 6,6 milhões de indivíduos, correspondentes à população dos principais centros econômicos do país. De qualquer forma, os vitoriosos oposicionistas, em seus respectivos discursos de vitória, prometeram adotar, ao menos a princípio, um diálogo conciliador com o governo, pois em sua oratória pós apurações, Chávez reconheceu a derrota e pediu diplomacia e respeito para com a Constituição em vigor. "Quero felicitar os triunfadores dos partidos de oposição. Eu reconheço sua vitória e faço um chamado ao mais alto compromisso democrático".


Igualmente significativa, foi a participação popular, a qual representou, Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), recorde votações, 65,45%, a maior desde a reforma constituinte promovida por Chávez, quando impediu a obrigatoriedade do sufrágio. Porquanto, Chávez diz que a participação em massa da população derruba as teses de alguns, dentro e fora do país, que há uma ditadura na Venezuela: “Quem diz que há uma ditadura aqui? Peço que os opositores ouçam a razão e reconheçam que nós respeitamos a vontade popular”.



Contudo, a oposição acusa o governo Chávez pela utilização indevida dos meios de comunicação estatais, os quais supostamente teriam propagado o ideal governista. Na contramão, a situação diz que o “desequilíbrio informativo” ocorreu demasiadamente no lado oposto, ou seja, na imprensa privada, acusada de atuação em prol à oposição. Desse modo, CNE anunciou a abertura de uma averiguação junto às emissoras envolvidas, por hipoteticamente terem violado a lei de propaganda.

Entretanto, vale destaque a iniciativa quanto ao impedimento da divulgação em massa de resultados de boca-de-urna, os quais foram impedidos por determinação presidencial. Considero tal resolução vigorosa pela razão de significar um obstáculo à manipulação da população, para ambas correntes políticas, já que a postura dos meios de comunicação venezuelanos é evidente e partidária.

De todo modo, todos ganham com a mais recente eleição venezuelana. A situação, estreante da nova organização política, o Partido Socialista Unido da Venezuela, o qual, a partir da divulgação dos resultados, foi capaz de se autoproclamar como a “primeira força política venezuelana”; e a oposição, em virtude de ter triplicado o número de suas participações políticas no país, principalmente pelo controle da capital Caracas. Todavia, torço daqui pela manutenção do processo de erradicação da miséria, pobreza e desigualdade social existente na Venezuela. Tenho informações seguras, apesar de não divulgadas pela mídia brasileira (GLOBO) e internacional, que o analfabetismo está dissolvido pela reformulação educacional desenvolvida pelo governo, que propõe a democratização do cabedal moral e intelectual da sofrida população venezuelana. No entanto, certamente ainda há muito que fazer. Por isso, estou ao lado do povo, sedento pelo alcance das conquistas sociais há muito atrasadas!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Afro-cordelismo!

Aos cordelistas nordestinos
E aos negros do Brasil,
Uma singela homenagem
Espero que nada vil.

Grupos muito fortes
Bastantes trabalhadores,
Sedentos de justiça
Após demasiados açoites.

Ôxi "minino" atrevido
Ôxi cabra valente,
Atenção ao que o sinhô fala
Senão ele expulsa a gente.
Saravá, saravaô
Sai daqui, sai pra lá,
Sai que tá na hora
De canto ao Orixá!
Por Thiago Oliva.

*************

Escravidão é a perda
Integral da liberdade,
A pessoa passa a ser
De outro propriedade.
Um senhor, o outro, escravo,
Em total desigualdade.

O negro era vendido
Separado a família,
Os parentes espalhados
Sem ninguém saber a trilha.
Negavam o seu saber
Faziam do homem ilha.

Negavam a sua fé
O seu jeito de viver,
Obrigavam a ser cristão
Sem o negro entender.
Com a cruz e o chicote,
Pra sua força conter.

Com o trabalho forçado
A fome de cada dia,
As mais diversas torturas
Com toda essa agonia.
Vivendo no sofrimento,
A negrada resistia.

Fugiam, até matavam
O feitor e o patrão,
Organizavam a luta
Faziam rebelião.
Até se suicidavam,
Em prol da libertação.

Um meio de resistir,
Era o chamado Quilombo,
Grupos de negros fugidos,
Pra não ter peia no lombo.
Se quiser, pode chamar
Esse grupo de mocambo.
Havia grandes quilombos
Tantos de não se contar,
Eram verdadeiros reinos
Assim se pode chamar.
Trinta mil negros havia,
Em Palmares, exemplar.

O quilombo era a casa
De sofredor explorado,
E por lá também viviam
Índios e brancos coitados.
A casa de redenção,
O paraíso falado.

Plantavam milho, banana
Batata doce e feijão,
Mandioca e muito mais,
Tinham com fartura o pão.
Ao contrario da fazenda,
Quilombo mundo de irmão.

O que sobrava guardavam,
Trocavam se necessário,
Folgavam após colheita,
Duas semanas, é claro!
Trabalho em mutirão…
Trabalho comunitário.

Pescavam, também caçavam
Criavam porco galinha
As tarefas divididas
Cada um a sua tinha.
Ninguém explorava ninguém,
Todos andavam na linha.
Por lá tudo era de todos,

Não havia nem meu nem teu,
Todos viviam muito bem
Na terra que Deus lhes deu.
Bendito, louvado seja,
O povo que assim viveu.

A resistência existe
De forma bem variada,
Cada um deve fazer
Aquilo que lhe agrada.
Toda trilha da na venda,
Só não vale fazer nada.

Tem a luta pela terra,
Tem o mundo do trabalho,
Tem o dom de escrever,
Tem arte, Sem atrapalho.
Você escolhe o caminho,
Já da pra quebrar um galho!

Bata um papo com alguém,
Como se organizar!
Não precisa muita gente,
No primeiro passo a dar.
O importante é agir,
Agir sem desanimar!

Junte-se a outros grupos
Para fazer formação,
Junte-se também na luta
Em qualquer celebração.
Cuide de sua cabeça,
E jamais esqueça o coração.

Por Antônio Héliton de Santana, de "Afro-cordel".



Um lindo cordel nordestino sobre a resistência negra em Quilombo dos Palmares! Parabéns aos cordelistas (19/11), poetas, românticos, convincentes e comoventes: verdadeiros artistas do Brasil!

Ao mesmo tempo, um saravá à comunidade afro-brasileira! Devemos tornar o dia de hoje (20/11) um emaranhado de protestos contra a desigualdade racial existente no Brasil, a qual é mascarada pela elite branca aristocrata, burguesa e conservadora.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Contra a imprensa tendenciosa!




O PHAROL, Itajaí, 21/01/1910 – p. 02, c.03.

“Mãe desnaturada”

“Domingo último, 16 do corrente, nos fundos do quintal do Hotel Brazil, desta cidade, foi encontrada uma creança de sexo feminino e de cor branca, enrolada em uma saia de baeta azul. Chegando ao conhecimento da autoridade policial, esta mandou proceder o acto de corpo de delito e exame de sanidade, verificando os peritos ser um recem-nascido e ainda com vida, não havendo sinal de tentativa de infantecidio; porem manifesto abandono, sujeito as prezas dos suinos e bicos de urubus que alli naquelle local permaneciam, mas que não lhe haviam tocado.

Constando achar-se no alludido hotel uma passageira de nome Cecília Reckenzki, criada, vinda de Florianópolis, no paquete Júpiter com destino a Blumenau, de onde é natural, e havendo suspeita de ter a mesma descida as escadas durante a noite, a autoridade e o Sr. Dr. Aurelio Castilho subiram ao compartimento, onde se achava a mulher, verificando indícios de maternidade recente, embora na consentisse examinar as gandulas. Feitas as perguntas pela autoridade e testemunhas, negou ser a mãe daquella creança. A autoridade fez conduzi-la para o hospital Santa Beatriz onde mais tarde confessou o delicto com synismo, perante o enfermeiro e sua esposa.

A creança foi baptisada, sendo paranympho o Sr. Eleutério de Moraes, tomando o nome de Manoel. Falleceu na madrugada do dia seguinte na casa do Sr. Alberto Neves a quem tinha sido entregue para crear”.

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A princípio, o título da matéria revela o extremo conservadorismo eclesiástico da construção do sentimento materno, o qual jamais pode ser transgredido. No entanto, é evidente que tal edificação está atrelada a questões sócio-culturais, já que em regiões onde o modelo católico não é popular, as ambições e frustrações da mãe são distintas e, portanto, desmistificadoras da conduta moral materna universal e necessária, proposta pela igreja católica na constituição da mulher ideal, ou seja, dócil, zelosa de sua cria, respeitadora do marido, companheira, pudica.

Posteriormente, o relato jornalístico aponta a ocorrência do fato no quintal em um estabelecimento denominado Hotel Brazil, quando a criança foi deixada a mercê das “prezas dos suínos e bicos de urubus”. Fica comprovado neste trecho que a tentativa de sensibilização do leitor através da possibilidade de morte da criança por meio voraz, ou seja, sendo devorada por animais, fortalece a postura do jornal e de seu respectivo jornalista, os quais “compactuam” à maneira cristã e procuram infamar a mãe. É neste parágrafo que o jornalista utiliza a expressão “infantecídio” e “manifesto abandono”. Imagino haver, àquela época, 1910, certa confusão referente a estas questões em virtude do término simbólico – pois sabemos que ainda ocorrem em demasia – da declaração de desdenho da genitora para com sua cria, pois há pouco tempo (século XVII e XVIII – Brasil Colonial) havia sido impedida a prática da “roda dos expostos”, quando a sociedade católica ocidental garantia a sobrevivência do enjeitado a partir da assistência infantil, com a proposta de, ao mesmo tempo, preservar a identidade moral da mãe.
Na mesma tomada, após a confissão da mãe, o jornal a qualifica como sínica. Ora, se houvesse, realmente, a existência do sentimento materno, porque TODAS as mães apresentam, em níveis distintos, depressão pós-parto? Nos casos extremos, ocorre radical asco da mãe para com o filho e o desfecho é sempre conturbado, demorado e necessita apoio emocional.
Outro fato curioso desta matéria jornalística refere-se à inexplicável troca de sexo da criança. No início do texto, esta é apresentada como sendo do sexo feminino, mas, ao final, é nomeada (o) Manoel.

Por fim, como importante aspecto de estudo social, é o fato de, em momento algum, o jornal ter citado o pai da criança. Quem é este indivíduo e sua responsabilidade perante o ser? A partir deste panorama, podemos imaginar e questionar quem foi Cecília Reckenzki, mãe, natural de Blumenau, Santa Catarina. Segundo o jornal, Cecília viajava de Florianópolis com destino a sua cidade natal e nas escadas do paquete Júpiter é que se suspeitou dela. Desse modo, temos o direito e ousadia de indagar qual a razão da mãe abandonar sua cria. Será que Cecília, empregada na capital, engravidou do patrão ou de seu filho e por isso, conseqüentemente, recebeu ordem de retorno a sua casa no interior? Será que extirpou o feto em razão do juízo austero de sua família blumenauense alemã conservadora? São várias as hipóteses. Em vista disso, devemos estar atentos a mensagem destinada à massa, pois todas, ou quase todas, estão atreladas aos distintos interesses que compelem o homem.

A leitura desta matéria me faz lembrar o brilhante romance de Fernando Vaz, “O Circo da Pátria”, o qual aponta a trajetória de uma moça do interior de São Paulo, doméstica, que se envolve com o filho do patrão. Contudo, ao ficar grávida, é expulsa pela família e obrigada ao aborto, o qual ocorre de maneira desprotegida, com ausência sanitária e higiênica. Após, passa a prostituir-se, perambula e acaba envolvida em questões relacionadas à prática circense. Entretanto, o que sensibiliza o leitor é a via percorrida pela personagem, sempre sujeita ao comportamento machista, empiriocriticista, comum aos estudos filosóficos do século XIX pelo alemão Richard Avenarius e pelo austríaco Ernst Mash, os quais negavam o valor da ciência, pois acreditavam na concepção da experiência como soma de impressões e sensações, as quais culminariam na verdade absoluta.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Uma nova era?



Confesso que fiquei extremamente emocionado com o discurso de vitória de Barack Obama. Tranqüilo, sereno e eloqüente, como nos acostumamos a vê-lo. O momento da família negra sobre o palco, aplaudidos efusivamente foi primoroso. Pensei comigo: a negrada, finalmente, está no poder!

Na contramão, Obama jamais assumiu ser o candidato negro, defensor público dos direitos afro-americanos propostos por significativas figuras durante a história americana, direitos estes mais do que justos, pois o desafio histórico necessitou um candidato que, voluntariamente, precisou fazer-se de sonso e renegar a história, para ser aceito pelo restante da massa a qual, com minoria significativa, é sensível e não demagoga à segregação americana. Para se ter uma idéia, Obama ao fazer referência a Luther King, não costumava citar seu nome, dizia: "o jovem pastor da Geórgia”.

Quando o republicano Abraham Lincoln assumiu a presidência do país em 1860, ele deparou-se com um país dividido por ideologias conflitantes. O sul, de clima quente e solo fértil, investiu pesado na plantação do tabaco – aprendizado difundido durante a conquista espanhola nas terras Astecas – e, conseqüentemente, utilizou larga quantidade de escravos oriundos da África. Posteriormente, a cana-de-açúcar popularizou-se igualmente, propagando o estilo de vida rural na região. Já o Norte, com clima frio e solo rochoso, impedidos da prática da agricultura, buscou outras fontes de renda, as quais culminaram no desenvolvimento da indústria e manufatura, através da proibição da escravidão. Por conseguinte, o nível de desenvolvimento social e econômico do Norte em relação ao Sul foi acachapante, mesmo considerando o rápido e elevado progresso dos sulistas. Assim, em 1861, os Estados Unidos estavam divididos em 19 Estados livres, adeptos ao impedimento da escravidão e 15 Estados, partidários à prática.

Com o fim da guerra (Secessão - 1861 / 1865), responsável pela morte de 500 mil soldados, e a vitória do Norte, os sulistas revoltosos fundaram organizações paralelas com o propósito da difusão do ideal segregador e impedimento da integração social dos negros recém-libertos, como a Ku Klux Klan, no Tennessee. Devido aos métodos violentos dos babacas, suspeita-se que o nome tenha surgido com inspiração no som de um rifle sendo carregado. Para se ter uma idéia do potencial deste imaginário, David Wark Griffith, cineasta estadunidense do sul, em 1915, lança “O Nascimento de uma Nação” quando glorifica a escravatura e a segregação racial a partir do espancamento de negros e a perpetuação da servidão, apesar da fita apresentar, simultaneamente à estrutura reacionária, revoluções cinematográficas até então jamais vistas, como planos de câmera e enquadramentos. Após, e em represália ao racismo escancarado, surgiram Martin Luther King, pastor e ativista político que lutava pela igualdade por meio da não-violência e amor ao próximo, semelhante ao indiano Mahatma Gandhi e Malcom Little, mais conhecido como Malcom X, de inspiração socialista, islâmica e da violência como método de defesa, igualmente proposto por Glauber Rocha, cineasta brasileiro, em relação à pobreza e miséria oferecida aos brasileiros negros, nordestinos e latino-americanos, ataca o conservadorismo e prega a igualdade racial e étnica-cultural de maneira incisiva: pau neles!

Porquanto, a vitória de Obama é mais do que significativa. Talvez seja a maior vitória desde os últimos cem anos! Para se ter uma idéia, após o Período de Reconstrução, somente seis figuras negras fizeram parte de cargos públicos na política estadunidense: três senadores, dois governadores e a secretária de Estado Condoleezza Rice. Diferentemente de 2004, quando Bush levou a eleição com relativa folga, embasado no medo terrorista e valorização da honra americana, Obama venceu de maneira acachapante, à frente com os universitários, homens, mulheres, latinos, americanos residentes em outros países, nos colégios eleitorais, na câmara e no senado. Apenas não venceu em relação à população acima dos 56 anos.

No entanto, após a festa regada a champanha, Obama acordará com uma tremenda dor de cabeça. Isso porque herdará do governo Bush uma economia em recessão, guerras inconclusas e o até então inabalável prestígio americano em frangalhos. E é aí que Obama pode se complicar!
O sustento de sua campanha foi, grosso modo, estruturado com promessas acerca da retirada das tropas do Iraque, da abertura da saúde à universalização, de um ousado plano de energia, discussão sobre a regularização dos imigrantes e a reavaliação das técnicas de interrogatório utilizadas em Guantánamo.

Segundo estatísticas oficiais, o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 3,1% no último trimestre o qual, nos Estados Unidos, é movimentado principalmente através do consumo individual, que chega a corresponder ¾ deste levantamento. Ao mesmo tempo, as tropas americanas, no Iraque e Afeganistão, atuam quase em seus limites e o maior parceiro americano, a OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte) não parece disposta ao envio de mais soldados a região, apesar do fortalecimento do Taleban e da Al Qaeda.

Contudo, Guantánamo, em Cuba, segundo a organização dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) é a maior questão a ser tratada pelo novo presidente. A instituição acusa o governo Bush de ferimento aos direitos humanos e que, imediatamente após a instauração do novo governo, sejam rechaçadas às práticas de tortura efetuadas pela Agência de Inteligência Americana (CIA).

Em relação à América Latina, Obama provavelmente será mais flexível, e tentará uma reaproximação do continente. Até Hugo Chávez, presidente da Venezuela, comemorou a vitória democrata: “… estamos convencidos de que chegou a hora de estabelecer novas relações entre nossos países e com nossa região, sobre as bases dos princípios do respeito à soberania, a igualdade e a cooperação verdadeira”. Não obstante, o fato de um afro-descendente ter chegado à Casa Branca não quer dizer que sua postura, que apenas teoricamente é mais humana, seja tão imperialista e isolacionista quanto à de George Bush.
Esperemos o desenrolar dos fatos.

Porém, fica evidente que a maior vitória, a partir desse panorama, é a ausência de George Bush do poder!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ótimo dia!

Após diversas e sangrentas brigas raciais, os americanos, enfim, elegeram um presidente negro. É a nova possibilidade de reconstrução de uma nação que se recompôs algumas vezes após dilatadas crises.

Latino-americanos, africanos, europeus, asiáticos e até muçulmanos estão na torcida e com esperança renovada depois do retumbante triunfo social ocorrido na terra do Tio Sam.

No entanto, não postarei hoje pela razão dos inúmeros mendros que envolveram a vitória democrata e, consequentemete, a derrota republicana. Por isso, acompanharei o desenrolar das notícias e análises de especialistas para, finalmente, dialogar com você, companheiro (a).

Parabéns ao negro filho de queniano Barack Obama!