quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Um minuto de silêncio...

Apesar da relativa constância da informação relacionada a enchentes no Brasil, em virtude, principalmente, da ausência de infra-estrutura que o país dispõe, embora em alguns casos nem um emaranhado tecnológico fosse capaz de suportar tamanho caos, não podemos, de forma alguma, ficarmos indiferentes ao ocorrido em Santa Catarina. O que houve foi um daqueles desastres naturais - ocasionados talvez pela falta de interesses políticos - que ferem e ultrapassam qualquer nível de disposição estrutural desenvolvido pelo homem, detentor do “telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor”, o que, como já dizia o grande Jorge Furtado, difere o homem dos demais mamíferos bípedes.



Até o presente momento, a defesa civil catarinense registra 97 mortos e 78.000 desalojados. Dez cidades já decretaram situação de calamidade pública e pedem que os sobreviventes registrem os desaparecidos nos postos cadastrados, pois as equipes de resgate do Exército e dos Bombeiros, neste momento, procuram por “apenas” 19 pessoas. Infelizmente, mas provavelmente, existam outras dezenas desaparecidas. Para agravar a situação, faltam, nas cidades mais atingidas, como Itajaí, Blumenau, Gaspar, entre outras, mantimentos básicos para a manutenção e/ou reestruturação da saúde da população, já bastante afetada pelo ocorrido. Para tanto, o Estado catarinense aconselha a população à utilização das águas de piscinas, as quais deverão, invariavelmente, serem fervidas. Faltam, além da água potável, luz, telefones e até curativos.





A partir deste cenário, surgem pessoas e empresas com o propósito substancial da ajuda filantrópica. Aqui na capital catarinense, onde a chuva também promoveu estragos, mais restritos ao norte da ilha, proliferam pontos para arrecadação de mantimentos com destino às regiões afetadas: universidades, postos de saúde, supermercados, igrejas, redes atacadistas etc. Por falar em redes atacadistas, nos últimos dois dias, pessoas foram presas por “saquear” um comércio varejista. Ora, a meu ver isso representa uma extrema hipocrisia, pois quem, passando por dificuldade semelhante, não invadiria uma grande rede, a qual apesar de seu grande prejuízo, já acumulou bastante dinheiro durante o período precedente às chuvas e, teoricamente, sairá do caos menos afetada que o grosso populacional pobre? Até entendo quererem prender as pessoas com o propósito da manutenção da “ordem pública”, mesmo quando o caos está posto. Mas o termo “saquear” é pejorativo! É a imprensa tendenciosa, ou pelo menos desqualificada, pois segundo alguns dicionários consultados, a nomenclatura faz referência a um despojo violento, desconsiderando uma situação calamitosa. Entretanto, entre estes que foram presos por roubo de comida e mantimentos, outros foram levados à delegacia pelo assalto de utensílios domésticos e materiais eletrônicos. Já foram também registrados casos de desvio de leite, os quais estavam prometidos aos flagelados, além da emerção de campanhas publicitárias, provavelmente veiculadas apenas na grade catarinense, as quais procuram fortalecer suas marcas, a partir da estruturação de um discurso sobre o povo catarinense, seu orgulho e coragem, os quais serão responsáveis pela reestruturação do Estado: “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago!

Por outro lado, fico me perguntando se seria possível evitar uma tragédia deste porte. Certamente que não! Porém, a negativa se refere a ausência de interesses político-econômicos, já que Itajaí, Gaspar, Nova Trento e Luís Alves não são Veneza ou Tóquio. Falo da romântica cidade italiana pela razão de uma mega obra responsável pelo impedimento desta ser tomada pelas águas que a cada dia aumentam o nível do mar; ou capital japonesa, a qual foi e é planejada para agüentar os constantes e terríveis tremores de terra. Alguns podem argumentar que o nível de água que caiu sobre as terras catarinenses foi absurdo, muito acima do normal. É verdade, pois choveu em três dias o correspondente a quatro meses. Todavia, uma pergunta não quer calar. Até quando viverão os mais pobres, à mercê das manifestações naturais que assolam a humanidade, como a seca, a chuva e os ventos. Se não são os catarinenses, são os asiáticos, os nordestinos ou os negros da cidade do blues. Será que tais fenômenos não teriam solução em uma organização desprovida de interesses distintos? A todos estes que desta forma morreram, ao menos um minuto de silêncio…

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