quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

"Delicatessen", de Jeunet, (1991)



Comecemos pelo princípio. Apesar da redundância, a apresentação do filme “Delicatessen” é primorosa, à Scorcese, deixando claro ao espectador, nos primeiros cinco minutos de fita, quais são as virtudes dos realizadores, mais precisamente em Jeunet, o qual também assina, posteriormente, “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”, de 2001. O clima misterioso, dotado de detalhes extravagantes, como o comportamento de um homem coberto de jornais seguros por fita adesiva ou a intensa apreensão do açougueiro ao afiar suas longas facas e olhar compulsivo através da janela, coordenados, em conjunto, por uma música que mistura angústia e suspense caracterizam o porte colorido que origina o filme.

Assim, a história se desenvolve sobre uma esfera apocalíptica, pouco compreensível, provavelmente em referência a um futuro não muito distante, apesar de a todo instante, os diálogos, objetos e complementos de cena fazerem alusão ao passado, independentemente de qual seja este. Para se ter uma idéia, o jornal lido por uma das personagens é denominado “Tempos Difíceis” e a moeda, o dinheiro, embora não seja evidenciado, enquadrado em detalhe, nos faz crer que está ultrapassado, pois um taxista, detentor moral da conquista financeira após oferecer seus serviços a um indivíduo, recusa a quantia que lhe é oferecida quando o sujeito tira algo da carteira. Pede-lhe os sapatos!

“Delicatessen” é o nome do prédio que abriga um açougue e apartamentos domiciliares, no térreo e andares superiores, respectivamente. Louison, personagem principal, é contratado pela direção do estabelecimento para desenvolver atividades no açougue e desempenhar funções de manutenção predial. Lá, demonstra a todos, de maneira indireta, toda sua capacidade lúdica, circense, quando encontra crianças fumando escondidas nas escadas do prédio e, munido por um balde cheio d’água e sabão, interage com os meninos provocando várias bolhas de sabão compactas pelas fumaças do cigarro. No fim, a movimentação dos atores é cortada pela chegada de outra personagem. Talvez a finalização da cena ficasse mais envolvente com a devolução do cigarro às crianças.

Além da cena citada acima, que contou com uma combinação de sons bastante feliz, ocorrem, durante o desenrolar da fita, outras tantas que trabalham com a música de modo íntimo, arquitetadas com humor – característica de Jounet. A melhor delas sucede quando o açougueiro e sua esposa transam e, pela tubulação pouco espessa, são ouvidos por muitos moradores da velha habitação. Conforme o ritmo, velocidade do sexo, foram feitos os cortes e a movimentação da câmera acompanha sincronizadamente os movimentos e alternâncias corporais dos indivíduos e/ou objetos que "escutam" o ato: um garoto enchendo o pneu da bicicleta; senhora batendo nos tapetes com a finalidade de extirpar o pó; o ponteiro de um relógio antigo; e até uma velha fazendo crochê.

Jounet também soube explorar os recursos cinematográficos. A filha do açougueiro, a qual é incapaz de viver sem os óculos, em um momento de paquera com Louison, tira suas astes dotadas de lentes para correção visual e assim, comete vários deslizes: foco e desfoco. Quanto à fotografia, esta é, durante todo o filme, avermelhada. Imagino um possível paradoxo proposital, em conseqüência do já trabalhado nesta análise. Enquanto o filme aborda um universo provavelmente relacionado ao futuro, sua fotografia possui um quê de antiga, parecendo uma imagem de tecnologia atrasada. Talvez um filme em 16 milímetros.

Contudo, apesar destes pontos bastantes favoráveis, dignos até de uma análise mais fundamentada, o filme, quando atingiu sua primeira hora, me causou cansaço. É fadigante porque não ultrapassa a proposta aqui apresentada, que por sinal é muito interessante, mas só. O roteiro é confuso, espetacular, cheio de pontos passíveis de exclusão e falho na construção das personagens. Parece um capítulo de “A Favorita”, novela global. Tudo acontece muito rapidamente. Não dá para o expectador digerir o que acabou de acontecer e, tudo se modifica de novo. Até consegui rir algumas vezes, mas de maneira pouco convincente.

Certamente houve um grande avanço de maturidade na construção cinematográfica de Jeunet, pois em “Amelie”, o desenrolar é conciso, muito próximo entre forma e intenção. Acredito que Jounet se tornará, dentro de pouco tempo, um dos grandes diretores cinematográficos, responsável talvez por movimentações frenéticas de cinéfilos pelo mundo a cada lançamento.

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