terça-feira, 2 de dezembro de 2008

"O Grande Golpe", de Kubrick, (1956)



Certamente, Stanley Kubrick é um dos mais atraentes cineastas. Em “The Killing”, traduzido para português como “O Grande Golpe”, o diretor rompe a temporalidade tradicional, linear. A narrativa adotada, à época do filme, 1956, causou espanto e muita crítica por parte de boa parcela dos espectadores, apesar de não ser novidade, em virtude de Orson Welles já utilizá-la com extrema habilidade, bastante evidente, inclusive, em “Cidadão Kane”, de 1941. Assim, como no filme de Welles, a quebra da temporalidade contribui em demasia ao desenvolvimento da trama, à narrativa misteriosa, cheia de suspense.

A fita conta a história de um ex-prisioneiro que elabora o roubo de um grande hipódromo de Chicago. Este, denominado Johnny Clay, para justificar seu comportamento, em roteiro desenvolvido pelo próprio Kubrick e Lionel White, diz: “Nenhum dos homens é bandido no sentido habitual. Todos têm empregos. Todos vivem de forma normal. Decentes. Mas todos têm seus problemas e uma pitada de safadeza também!”. Dessa forma, Kubrick e White procuram expor o processo de entendimento da vida por parte da personagem, a qual ultrapassa, sem grandes problemas, os limites sociais predeterminados, com a finalidade da conquista da tão sonhada "grana" – US$ 2 milhões.

Para atingir tal meta, Johnny articula o plano com o “barman” do hipódromo, um dos “caixas” do mesmo estabelecimento, um ex-boxeador, com a incumbência de brigar com os policiais responsáveis pela guarda do dinheiro das apostas, um atirador, que deveria matar o cavalo favorito à vitória em plena pista e assim contribuir para o caos, e um policial, o qual, coincidentemente, possui uma semelhança incrível com o até então presidente dos Estados Unidos George W. Bush.

Contudo, antes do clímax, a história apresenta relações de gênero substanciais para o desfecho da trama. Enquanto Johnny encontra ao seu lado uma mulher submissa, pronta para qualquer eventualidade que pudesse comprometer o sucesso da jornada, George, “o caixa”, tem em sua esposa a ganância, a necessidade do acúmulo de riquezas. O contraponto ocorra talvez pelo filme ser “noir” e representar, desse modo, o período pós-depressão. Assim, George, dependente emocionalmente de sua esposa, a qual é negligente à “condição natural” imposta às mulheres, é pressionado por esta a contar-lhe o plano. No entanto, Sherry, sua mulher, possui um amante, com o qual, diferentemente de George, mantém relação de súplica e servidão. Porquanto, Sherry confia o “grande golpe” ao amante, com o propósito de armação de um contragolpe e, por fim, a fuga, de preferência, milionária. Aqui vale destaque mais uma vez à construção pormenor da narrativa e imenso censo técnico de Kubrick. Nas cenas que marcam as negociações, as jogadas obscuras, os esquemas entre os apostadores, a iluminação é bastante eficaz, pois coopera para a manutenção da proposta “noir” e do ritmo misterioso que toma conta do espectador, mesmo dos mais ranzinzas, onde me enquadro.

O nó é desenlaçado quando o amante de Sherry, acompanhado por um capanga, invade o apartamento onde a quadrilha esperava por Johnny e metralha todos. Lembram que ele fora informado por Sherry de todos os meandros do roubo? No fim, após a descoberta de Johnny da morte de todos os envolvidos, este, que previamente havia comprado passagens de avião com o objetivo da fuga bastante rápida, é impossibilitado e embarcar com a mala cheia de dólares consigo, como bagagem de mão, em função de sua mala ultrapassar a pesagem limite. Johnny até procura argumentar com o atendente e, posteriormente, com o gerente, mas lhe é negada a permissão. Assim, extremamente pressionado, despacha a bagagem e, à pista, pronto para subir as escadas da aeronave, observa o motorista do carrinho de bagagens perder o controle, tombar com o veículo e, conseqüentemente, sua mala, que abre com as milhares de notas expostas aos curiosos que se aglomeram. É preso!

Qual seria a moral da história? Provavelmente e infelizmente, Kubrick compactua com os desfechos tradicionais dos filmes que marcaram o período. A conclusão da moralidade pública, da manutenção de uma ordem conivente às elites, já que durante e posteriormente à Depressão, o crescimento da marginalidade foi bastante significativo e assim, contrário aos interesses dos poderes da época, os quais queriam, evidentemente, garantir seus privilégios sociais. Considero este o único equívoco de Kubrick, pois ao restante da fita cabem diversas considerações positivas, desde o cuidado às cenas, a partir da cenografia e construção do elenco e figurantes, à já citada fotografia e utilização temporal.

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