terça-feira, 16 de dezembro de 2008

"Os fuzis", de Ruy Guerra (1963)


Ruy Guerra, o moçambicano radicado no Brasil possui fama de temperamental. Exige muito compromisso da equipe técnica do filme – produtores, atores, etc. –, e já chegou a ficar um dia para fazer um plano. Para se ter uma idéia, Ruy Guerra concentra, em seus amigos mais íntimos, Chico Buarque de Holanda e Gabriel García Márquez.

"Os Fuzis" retrata os famintos habitantes do árido sertão nordestino que são conduzidos por um beato de um boi santo que, segundo o “profeta”, trará chuva para liquidar com a seca: está evidente a alienação e a loucura de um povo em delírio pela fome latente.

Os miseráveis e seu “profeta” estão em uma cidadezinha quando o então prefeito da região, com receio de uma ingovernável manifestação em torno dos alimentos de um comércio, dá ordens a soldados que impeçam a aproximação miserável, a fim de garantir a segurança do armazém e, conseqüentemente, reprimir a fome. A situação agrava-se a partir dos prejuízos financeiros acumulados pelo comerciante que vende fiado aos habitantes da região e da inadimplência do governo que não paga o bônus que deve.

Gaúcho, personagem da trama, é reconhecido por Mário, um dos soldados que garantem a vigilância do local; ambos conheceram-se em uma operação policial que expulsava posseiros de terras particulares. No diálogo, Gaúcho expõe a Mário que não entende o posicionamento do governo que, diante do miserabilismo daquela região, ao invés de enviar comida e mantimentos aos habitantes, manda soldados. Enquanto fazem a vigília à espera do caminhão que irá levar os alimentos, os policiais, ociosos, apostam, com o propósito de acertar um cabrito que havia fugido. Ao atirar, o policial acerta um homem, o dono do cabrito. Para não criar mal-estar na população, dizem que o homem foi encontrado morto e quem o matou foi um forasteiro.

Enquanto isso, o caminhão chega para levar a comida estocada do armazém. Os policiais, assustados, vigiam tudo sob olhares famintos da população, que vê a comida ir embora. Um homem chega ao bar pedindo uma caixa para enterrar o filho, que morrera de fome. Gaúcho se revolta com a passividade e covardia da população. Rouba a arma de um policial e atira no caminhão. Na troca de tiros, Gaúcho morre. Esta guerra é solitária, individual. E o boi, que até então era santo para os fiéis, é morto e toda a população avança para pegar um pedaço da carne.

O filme é rodado em 1963, pré-golpe, e parece prever a condição catastrófica que atingirá o país. Mostrar militares reacionários que obedecem aos interesses e valores da classe dominante, à época, representou um cataclísmico destino.

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